Não sou chegado a programas religiosos, mas ontem à noite, enquanto mudava canais de televisão, me deparei com o Padre Fábio de Melo falando em um deles. O que me chamou a atenção e, por conseguinte, me fez parar para assistir, foi o tema que ele abordava: “Há momentos em que fazer o certo, é errado; e há também momentos em que fazer o errado, é a coisa certa”.
Ele respondia email de um advogado que, na condição de cristão, se sentia desconfortável em defender criminosos.
O sacerdote citou o exemplo da guarda do sábado, expresso nos Dez Mandamentos, e observou: “Pela Lei não se deve trabalhar nos sábados. É errado. No entanto, não posso deixar de servir alguém que precisa de mim no sábado. Não posso deixar de providenciar o sustento de minha família, pelo fato de ser um dia de sábado. Isto é certo”.
Aquilo me levou a uma profunda reflexão, pois as pessoas são criadas sob a égide de dualidades: certo ou errado, bom ou ruim, alto ou baixo, preto ou branco, doce ou salgado, céu ou inferno, Deus ou Diabo, e por aí vai. Também somos ensinados que a Lei é para ser obedecida, sendo que a situação fica acentuada quando se está em ambiente religioso, pois ali ou o a pessoa obedece (e é abençoada por Deus), ou desobedece (e cai nas mãos do demônio).
A mensagem de Fábio de Melo torna-se ainda mais importante, na medida em que ele é um padre, portanto, alguém zeloso da lei divina. Penso que o sacerdote não quis incitar a rebeldia, mas sim a obediência sadia e consciente. Em suma: as pessoas não devem ficar escravas de leis e ordenanças. Obedecer por obedecer, sem saber o real significado, não faz sentido e não produz efeito construtivo para o ser humano.
As palavras de Fábio de Melo encaixam-se no trecho sagrado que relata quando religiosos da época apresentaram uma mulher “adúltera” ao Cristo, e este não a condenou, pois sabia que nenhum dos acusadores era inocente, e mesmo que o fosse, não é esta atribuição de quem não tem “culpa no cartório”.
Isto me faz imaginar quanta gente vive, aprisionada a leis e convenções, quando se tivessem um pouco mais de conhecimento, saberiam permanecer onde estão, ou mudar, driblando a severidade legal, sem viver na ilegalidade.
A vida oferece um infinito leque de oportunidades, que às vezes são desperdiçadas porque as pessoas permitem-se aprisionar às convenções sociais, legais e religiosas. A preocupação em fazer o “certo”, levam-nas a errar consigo mesmas, ao preterirem o direito de uma vida plena em cada momento da existência.
A vida é feita de momentos. E momentos não costumam se repetir.
Lembro de um relato de Leonardo Boff em um de seus livros a respeito de uma mulher que ele conheceu durante uma viagem pelo interior. Ela confessou-se a ele, e recebeu sua bênção. Em seguida, a mulher começou a relatar sua vida rotineira em um casamento onde não tinha mais afinidade com o marido. Mãe de três filhos a mulher não escondeu sua atração pelo padre, e pediu a ele que lhe desse um momento de prazer, pois com o marido ela já não sentia mais.
Boff recusou-se e foi embora. Anos mais tarde ele confessou seu arrependimento... “Na Bíblia diz que não se deve envolver-se com a mulher do outro; eu, como padre, tinha votos de castidade. Agi dentro da lógica esperada para a situação. Depois, refletindo calmamente sobre o episódio, eu me arrependi, pois aquele foi um momento singular em minha vida e daquela mulher. Ela estava casada, e portanto, obedecia à Lei e à Bíblia, mas era infeliz no casamento, e isto desagrada o coração de Deus. O ser humano tem direito à felicidade, e esta não é definida pela legalidade ou ilegalidade, mas sim nos momentos em que aproveita-se as oportunidades de ser feliz”.
Como todos sabem, Leonardo Boff teve seus direitos de sacerdote cassados pelo Vaticano, mas tornou-se um dos maiores pensadores dos dias atuais, além de ter-se casado e constituído família.
Penso que obedecer, pura e simplesmente porque está implícito na Lei, na Bíblia ou nas Convenções Sociais, é errado. A pessoa que assim age, se parece com os ponteiros do relógio, que dão voltas em torno do “cercadinho” delimitado, e embora informem as horas, contudo, não vivem o tempo nem o momento...
Nilton Bonder, autor de A Alma Imoral (Ed. Rocco), denuncia a “moral que veste apenas o corpo”. A sociedade e a religião se preocupam em impor regras que, ao final das contas, ninguém cumpre. Como disse o Cristo: “colocam nos ombros alheios fardos que eles mesmos não carregam”.
O Filósofo Marcos Monteiro afirma que “vivemos em um mundo de plena falsa-moralidade, onde nada é permitido, mas tudo se faz”.
Há pessoas obcecadas em obedecer ou então em crise por se sentirem culpadas por “desobedecer”. Entendo que nenhuma lei, convenção ou regra é ruim em si. O desafio é viver em harmonia consigo (interior) e com o mundo (exterior). Para isto é preciso entender a vida que é pessoal, e os momentos são transitórios, mas que oferecem oportunidades de escolhas.
Viver preocupado (a) em ser “certinho” e ‘bonzinho’ pode agradar aos outros, mas a que preço? Pois é, há muita gente que abre mão da própria felicidade e realização, preocupada com o que os outros vão pensar, ou que Deus vá castigá-las por fazer algo, digamos que “politicamente incorreto”.
As clínicas e hospitais psiquiátricos estão lotados de pessoas que se esmeraram por fazerem sempre “a coisa certa”, e depois entraram em crise ao descobrirem que não alcançaram a felicidade. Para estes, a Sociedade e a Religião que exigem “bom comportamento”, dá as costas ou quando muito uma visitinha por descarrego de consciência. Os números indicam que 7 em cada 10 pacientes psiquiátricos são provenientes de ambientes religiosos.
Finalizo com uma frase que muito gosto, mas cuja autoria desconheço:
“Se você obedecer todas as regras, perderá toda a diversão que a vida oferece”.
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